sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Pinheirinho de estimação

Um pinheiro imenso, alcançando já o sexto andar, chamava a atenção de quem passava por ali. Tratava-se de uma quadra modelo, cujo paisagismo fora assinado por ninguém menos do que Burle Marx. A tal árvore destoava do restante das plantas e ninguém sabia informar de onde teria surgido.

A síndica deparou-se com um problema sério de infiltração na garagem do prédio e foi obrigada a colocar todo o jardim abaixo - inclusive o tal pinheiro. Da noite para o dia, com as devidas autorizações dos órgãos competentes, foi feita uma limpa no local que, diga-se de passagem, sempre fora impecavelmente mantido pelo condomínio.

Mas a ausência da árvore da família das pináceas, típico de climas frios e de regiões de araucárias, só fez dar leveza à paisagem. Leveza, limpeza, visão e atmosfera como a concebida por Lúcio Costa, idealizador do urbanismo de acessos limpos e fáceis entre os prédios e de beleza singela do gênio paisagista e botânico Burle Marx.

Mas nem tudo são rosas. Eis que surge a mãe do pinheiro para chorar sua derrubada! Em tom lamurioso e sentido, a antiga síndica do prédio protesta, confidenciando que o ganhara há 40 anos e havia então decidido plantá-lo no jardim público: "Após todos estes anos de convivência, sou surpreendida pela sua derrubada, não só foi um golpe na natureza como também um desrespeito a mim que o plantei e durante todos estes anos o vi crescer e ele fazia parte do meu cotidiano".

O mesmo cotidiano que a flagra inadimplente com seus pares, demonstrando desrespeito tão grande quanto o que ela denuncia contra sua pessoa.

Considerações sobre um assalto

Autora: Cora Rónai

Hoje, exatamente hoje, 31 de julho de 2008, faço 55 anos, quase todos passados no Rio de Janeiro. Até sábado passado, nunca tinha sido assaltada aqui, na minha cidade, o que deve ser uma espécie de recorde, especialmente considerando se que costumo andar por todo canto, em toda espécie de horário. Fui vítima, com minha irmã e minha mãe, de um arrastão acontecido logo ali, na Avenida Pasteur, quando voltávamos do Rio Sul. Perdemos algum dinheiro, bolsas, cartões e documentos, mas escapamos vivas, o que vale dizer que, a rigor, não nos aconteceu nada. Foi uma violência? Com certeza. Um susto? Podem apostar. Um azar? Pelo contrário: como tudo na vida, até um assalto pode ter seus lados bons, o principal deles sendo, obviamente, sair com vida, e sem um arranhão, de uma cena potencialmente letal.

Há muitos e muitos anos, como habitante de cidade conflagrada, tinha essa dúvida comigo, de como reagiria a um assalto. Agora já sei, e me confesso aliviada. Meu maior medo era ter raiva, único sentimento que me faz, literalmente, perder o controle; mas o que senti foi um misto de espanto e de curiosidade, aliado ao medo indireto de que alguém — polícia, vítima ou assaltante — perdesse as estribeiras. Felizmente, todos cumpriram o seu papel. A polícia não apareceu, as vítimas portaram-se com a humildade que convém às vítimas e os assaltantes, ainda que nervosos, portaram se como assaltantes —e não como assassinos. Como nenhuma dessas escolhas é de caso pensado, continuo me achando pessoa de grande sorte.

Não sou a Madre Teresa de Calcutá nem o Dalai Lama, mas, com sinceridade, não tive, nem tenho, qualquer raiva dos bandidos. Não sei se pensaria assim se tivesse sido seqüestrada ou se a ação tivesse descambado para uma desgraça; mas sentir raiva de elementos em que não se percebe mais qualquer vestígio de humanidade equivale, a meu ver, a sentir raiva do proverbial sofá da anedota.

A indignação que senti mais tarde, quando enfim deitei a cabeça no travesseiro e tratei de pôr as idéias em ordem, foi, apenas, uma amplificação da raiva surda que sinto contra a degradação constante do meu país. O que me sufoca é o governo: este, o outro, o próximo, o federal, o municipal, o estadual —toda a corja responsável pela completa ausência do Estado na cidade e no país. Esses canalhas, que a cada mês me roubam, só em impostos diretos, muito mais do que me roubaram os assaltantes da Avenida Pasteur, são os verdadeiros merecedores do meu ódio, do meu desejo mais profundo e visceral de que ardam, para sempre, no fogo dos infernos Não sofro da patologia contemporânea de achar que todo bandido é vítima da sociedade.

Não é. Pelo contrário. A sociedade, como um todo, trabalha muito duro para pagar aos seus funcionários, àqueles que deveriam cuidar para não houvesse crianças na rua, para que as escolas fossem não só suficientes como eficazes, para que toda a população tivesse assistência médica e iguais condições de planejamento familiar. Àqueles, enfim, que, falhando todas as medidas preventivas, garantissem ao cidadão de bem o máximo de segurança, e ao malfeitor um mínimo de punição.

O diabo é que, olhando em torno, não vejo nenhuma "autoridade" imbuída de espírito público. Todos querem se eleger única e exclusivamente para garantir o seu, para gozar a perpétua sala VIP do poder e para passear pelo mundo em tapetes vermelhos. São perversos cruzamentos de pavão com avestruz, desfilando lá fora a sua vaidade e enterrando, aqui, a cabeça na areia. Agora, aliás, inutilmente provida de wi-fi.

Enquanto isso, garotas de 13 anos seguem tendo filhos na rua, que por sua vez terão filhos na rua aos 13 anos e assim sucessivamente, geração após geração, já que, entre outras coisas, a Igreja dá um piti sempre que qualquer político vagamente progressista ousa falar em planejamento familiar. Mas eu gostaria, honestamente, que a diocese me esclarecesse o destino que aguarda uma criança nascida nessas circunstâncias. Acaso a Igreja as recolhe? Alimenta? Veste? Orienta? Educa? Se mesmo crianças nascidas em famílias com recursos, até bem estruturadas emocionalmente, volta e meia viram bandidos, o que se pode esperar de crianças que crescem soltas na rua sem exemplo, sem escola e sem qualquer chance de aprender um ofício? O que esperar de crianças cujos heróis são traficantes, cuja alegria é cheirar cola e cujos símbolos de status são armas de uso exclusivo das forças armadas? Tenho muita pena dessas crianças, assim como tenho pena dos adultos em que se transformam — isso, quando chegam a adultos.

Seria hipócrita, porém, se não reconhecesse que mais pena ainda tenho das crianças e dos adultos que poderiam construir um país melhor se, por infelicidade, não tombassem mortos ao cruzar seus caminhos.

O grande resumo da nossa, digamos, "experiência sócio-antropológica" foi feito pela minha irmã, que conseguiu achar vários pontos positivos no arrastão. O décimo e último foi: "Poder pensar —sinceramente —que bom que eu sou a vítima, e não o assaltante."

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Certamente, temos sorte por não estarmos no lugar do assaltante e nem dos bandidos das diversas alas do "crime organizado". Lamentavelmente o crime em geral é organizado e muitas vezes financiado pelas drogas. E o que é mais triste ainda, quando se fala em crime, é que aí se incluem alguns indivíduos no poder público. A lei eleitoral precisa mudar, assim como as regras para a contratação de funcionários comissionados. Admite-se muita porcaria... e quem paga por isso?

MShow

domingo, 10 de agosto de 2008

Ao falante que não ouve

Encontrei um dia um sujeito falante, aparentemente inteligente, com boas idéias. Depois de uma reunião, à qual chegou atrasado e saiu mais cedo, e durante a qual teceu alguns comentários ácidos contra quem ocupava o posto aspirado e idealizado por ele, percebi que as boas idéias não lhe bastariam. Falta-lhe o principal: senso de coletividade.

A ambição faz do homem um ser egoísta. O mais triste é ver que esse tipo de comportamento é observado com frequência em homens que ocupam cargos públicos e que, por princípio, deveriam pensar no próximo, no coletivo, mais do que em si. Ideologia demais?

Não, não creio. Por que os valores seriam perdidos? Ou será que nunca foram adquiridos? O certo é que muita desgraça e miséria poderia ser amenizada se houvesse realmente rigor na punição de corruptos e valorização de pessoas e posturas éticas.

Cada vez que aceitamos esse tipo de pensamento e de comportamento estamos minando nossas chances de ter um país melhor. Cada vez que pensamos em levar vantagem e achamos isso normal estamos reproduzindo um modelo absurdo e lamentável que está virando regra geral. Essas pequenas ações no dia-a-dia estão na origem da corrupção, pois tornam nosso julgamento e discernimento equivocados.

Ao falante, um recado: não basta discursar. É preciso escutar, olhar em volta, se posicionar de maneira clara e transparente, participando e contribuindo para as discussões diárias para então agir de maneira responsável e ponderada. Só assim pode-se ser digno de integrar e de liderar uma comunidade. Humildade e respeito aos demais membros do grupo também são fundamentais.

sábado, 9 de agosto de 2008

Prefeita por um dia!

Minha carreira política iniciou-se sem eu nem saber! Um dia li no Correio que o Distrito Federal enfim buscava estabelecer um Código de Posturas, depois de quase 50 anos vivendo sem regras definidas.

Como voluntária da minha quadra, decidi felicitar os responsáveis pela iniciativa em nome de todos. Escrevi, então, uma nota elogiando o projeto e ressaltando a importância da comunidade ser consultada no processo, a fim de termos leis efetivas e elaboradas com bom senso. Assinei como a colaboradora da prefeitura da minha quadra.

Semanas depois de minha mensagem, o jornal publica a nota na coluna de reclamações, com uma resposta da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente assegurando que haverá consultas e audiências públicas, a partir do momento em que o projeto para a contratação da empresa que fará o Código esteja licitado.

Detalhe: virei prefeita! o(a) jornalista que editou o meu texto (que era um parágrafo) conseguiu enxugar tanto o conteúdo que fez uma grande salada. Aliás, na era da internet, o que mais vemos é isso. Por pressa e falta de atenção, copia-se, cola-se, de modo tão mecânico quanto escovar os dentes ou amarrar o cadarço do sapato. E assim muda-se a história.

E eu, do alto de meu pseudo posto, preocupada com a imagem pública involuntária, resolvi descer com o cachorro com uma calça menos rasgada, sem porém abrir mão das Havaianas...

Camisa-de-força em substituição às algemas

“O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (07/08) editar uma súmula vinculante para determinar que presos e réus só podem ser algemados, em exposição pública, em casos de risco de fuga ou ameaça de agressão as autoridades. O STF vai encaminhar uma orientação sobre a decisão ao ministro da Justiça, Tarso Genro, e aos secretários de segurança pública dos estados.

Os ministros do STF optaram pela edição da súmula após, na análise de um caso concreto, decidirem por unanimidade anular o julgamento de um condenado a mais de três anos de prisão pela prática de homicídio triplamente qualificado, em virtude de o réu ter permanecido algemado no momento em que estava no Tribunal do Júri. Tal situação ocorreu no município de Laranjal Paulista, em São Paulo.

O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, disse que a idéia de estender os efeitos deste julgamento não foi motivada por eventuais abusos cometidos pela Polícia Federal na Operação Satiagraha, quando foram presos e expostos algemados na televisão o banqueiro Daniel Dantas, o investidor Naji Nahas e o ex-prefeito Celso Pitta, entre outros.

O juízo geral é que está havendo uma exposição excessiva, degradante, afrontosa dignidade da pessoa humana. Então, o Tribunal se sentiu no dever de se pronunciar com a celeridade adequada sobre este tema, disse Mendes”


Fonte: Agência Brasil, 07/08/2008.

Prezado internauta, se achou meu blog por vagar, insone, pela rede, saiba que geralmente tenho sono profundo, mas certos temas fatalmente acabam me tirando o sono! São 23:48. Ao ficar sabendo, por um amigo, do tal caso em que um assassino teria tido seu julgamento anulado pelo novo argumento de que bandido não pode usar algemas, resolvi procurar a notícia na internet.

Vivemos regidos por leis bonitas e nada realistas, entre as quais o Estatuto da Criança e do Adolescente, que parece ter sido concebido para um país de primeiro mundo onde não há fome, drogas, analfabetismo e desigualdades que lamentavelmente transformam crianças e jovens em criminosos ou instrumentos do crime.

Ouvimos intermináveis discursos em torno dos Direitos Humanos, sempre aplicados aos infratores e raramente invocados ao se defender as vítimas.

Como se não bastasse, agora percebemos o ensaio de um Estatuto do Bandido, defendendo a dignidade, a integridade e a imagem de infratores, criminosos de toda espécie. Alguém pode, pelo amor de deus, explicar como são capazes, os homens da lei, de soltar um indivíduo acusado de homicídio triplamente qualificado simplesmente por ele ter usado algemas em seu julgamento?! Uma pessoa que é capaz de matar pode sim ser um indivíduo perigoso e reagir de modo inesperado em qualquer situação.

No caso dos senhores de gravata, pegos com a boca na botija, estes sim são dignos, honrados e têm a imagem imaculada! Evidentemente pretendem sair das grades e fingir que nada aconteceu, que não fizeram nada de errado à sociedade. Podem não ser violentos, mas não são igualmente nocivos e passíveis de punição? Se são abastados e pagarão fantásticos advogados para limpar seus registros, por que não deixar que sintam ao menos um gostinho de humildade e de humilhação? Para nós, mortais, é pelo menos desopilante ver os senhores de gravata, no alto de sua certeza de permanecerem impunes, sentindo aquele frio na barriga, como que dizendo “fui pego”, “vão ficar sabendo”. Certamente que o sistema e as leis não impedirão que continuem sórdidos, mas teremos a certeza de que um pouco da máscara de inocente lhes foi arrancada.

Sempre tive curiosidade de saber, vendo programas sensacionalistas que cobrem temas policiais: que lei é essa que protege aqueles bandidos comuns, dando-lhes o direito de esconder o rosto? A presunção da inocência, até prova em contrário? Quem é inocente não teme, não se esconde. Por que proteger criminosos?

Gente inocente, boazinha, correta, ética não dá manchetes nem é de interesse para a imprensa. Apenas aquele anúncio de uma fundação de um banco mostrava pessoas dignas de respeito: “fulaninho é gente que faz”. Conte notícias ruins e boas nos noticiários. As ruins dominam. As boas, além de raras, são tão amenas que nos embasbacam: “Nasceu Bobby, o filhote de panda mais fofo do zoológico de Xangai”. Francamente, a banalização do ruim, do sórdido, da bandidagem está cansando e nos tornando anestesiados, abestalhados. A ponto de não ligarmos sobre quem é preso, com ou sem algemas, quanto pagou, quanto ganhou, como escapou... tudo parece tão faz-de-conta que nem dá para acreditar.

Sugiro, pois, camisas-de-força em lugar das algemas. Para nós.