domingo, 8 de fevereiro de 2009

Vela e silêncio o caramba!

Seguem trechos de uma "bronca cibernética" enviada por uma moradora da SQS 308, em resposta ao artigo "Vela e Silêncio", do jornalista Carlos Marcelo, do Correio Braziliense, publicado no dia 07 de fevereiro de 2009. Assinamos embaixo e fazemos coro contra jornalistas que deveriam pensar mais antes de expressarem sua opinião sobre o que desconhecem.

O artigo do sr. Carlos Marcelo diz que poucos ficaram sabendo do resultado do inquérito policial que investigou a causa do incêndio na Igrejinha. A polícia apurou que o fogo foi provocado por uma vela acesa ao lado de um colchão. Que surpresa!

Na verdade, todos já sabiam que o incêndio foi provocado por uma vela ou outro fogo atiçado ao lado de um colchão. Repetimos que ali, encostado na igreja, não é lugar de acender nada e nem de cozinhar e fazer churrasco, como os moradores de rua faziam. Há, atrás do monumento, um local destinado para as velas dos fieis, mas a verdade é que o espaço vinha há tempos sendo tomado e transformado em camping pelos vadios. Fiel que se aventurasse a ir acender velas ali, não raro topava com cenas de sexo explícito e bebedeira. Aliás, fiel corajoso seria o que viesse a público assumir a autoria do incêndio, isso seria uma postura digna da correção pregada pela religião.

Sobre o depoimento colhido de cinco testemunhas, ninguém diz quem foram essas pessoas. Estariam algumas delas por acaso entre os suspeitos de envolvimento com o incidente? Nesse caso, constituiriam testemunho válido? E por que os vadios saíram dali na manhã seguinte? A determinação de "convidá-los a não permanecer ali" só veio dias depois.

Segundo narra o jornalista Carlos Marcelo, "a presença deles causava desconforto: muitos, segundo relato dos que residem próximos à igreja, faziam suas necessidades fisiológicas ali mesmo, ao ar livre, e incomodavam com insistentes pedidos de ajuda financeira para comprar bebidas alcoólicas."

Isso é pouco e não traduz o horror provocado por esses indivíduos. Uma vez que, por questões editoriais e comerciais, nossas cartas não são publicadas na íntegra, não terei, aqui, cuidado ao narrar o que já presenciamos na SQS 308, sobretudo nos blocos G (próximo aos supermercados) e B (em frente à Igrejinha): homens "enrabando" outros, surubas, transas, homens se masturbando, um feto descartado, bebês nascendo, crianças passando frio, palavrões e gritos de mulheres saindo no tapa porque o homem de uma estava "comendo" a outra. Enfim, a mais completa e surreal bestialidade acontecendo debaixo de nossas janelas dia e noite. Zombam de todos, certos da impunidade que o direito de ir e vir lhes assegura.

Não sei se o sr. Carlos Marcelo teve a intenção, mas acaba ridicularizando a comunidade, dizendo que, com a vigilância da polícia, os mendigos "são convidados a não permanecer por lá, desejo antigo dos moradores das quadras vizinhas". Ele continua: "...a área está desimpedida para o encontro diário de tradicionais famílias brasilienses". "A superquadra está tranquila".

Talvez a arquitetura de Brasília tenha sido concebida de modo a possibilitar que a cidade se tornasse uma espécie de "ilha da fantasia", com os Poderes incólumes na Esplanada, áreas puramente residenciais no coração do Plano Piloto, setores divididos segundo sua finalidade (bancário, comercial, hoteleiro etc.) e a miséria circundando, isolada e crescendo no Entorno.

Se quiséssemos entender o que acontece, com a ajuda de uma imprensa mais responsável e analítica e de uma população mais participativa, muitas outras análises poderiam ser feitas, por exemplo, sobre o Setor Noroeste e outros novos conjuntos habitacionais que virão por aí com o PDOT, sobre o esgotamento da capacidade do manancial hídrico do Descoberto, sobre a política assistencialista, populista, ignorante e irresponsável de certos governantes coroneis, que deveriam se aposentar de vez mas que, segundo notas recentemente publicadas na imprensa, pretendem voltar a reinar.

Mas voltando à nossa realidade, ao prezado jornalista Carlos Marcelo, gostaríamos de dizer que nossa luta não é um antagonismo entre ricos e pobres, como parece estar sendo insinuado em seu artigo. Preocupa-nos que ninguém pareça enxergar que o nosso intuito é fazer com que as autoridades, o terceiro setor, as igrejas e a população em geral compreendam que é preciso tomar medidas firmes, sérias e efetivas agora no Distrito Federal (e Entorno e Goiás, de onde vem a maioria das famílias de sem-teto) para gerar empregos e incentivar a formação profissional e a educação, a formação de caráter e de valores. Dar esmolas, rezar e simplesmente aceitar a presença de indigentes em condições sub-humanas não resolve nada e só estimula a clandestinidade e a violência.

É importante que se atente para o fato de que vadios e arruaceiros infratores (atentado ao pudor e extorsão são crime sim!) não podem ter o mesmo tratamento que moradores de rua. Estes sim precisam de assistência, orientação, atenção e investimentos. Mas não estamos ajudando em nada dando esmolas e mantendo-os nas ruas.

Nosso desejo é que políticas sociais tragam soluções e alternativas para tirar as pessoas necessitadas das ruas e lhes proporcione educação e condições dignas de vida e trabalho. Desejamos também e com veemência que se faça a distinção entre necessitados e vadios, sendo firmes com os fora da lei, homens e mulheres saudáveis e em idade produtiva, que vivem fazendo baderna e sujeira, usando crianças e bebês para provocar pena nas pessoas, e elegeram a mendicância (que consideramos uma forma de extorsão - art. 158 do Código Penal) como profissão.

Temos também problemas com jovens de classe média, de "famílias tradicionais" ou não, sr. Carlos Marcelo, pois sabemos que em famílias como as nossas e a sua, por exemplo, pode haver gente que consome drogas e álcool. O problema está quando ocupam as praças até madrugada, fazem arruaça, sexo, muito barulho e bebedeira, e espalham sujeira onde, no dia seguinte, os nossos filhos deveriam brincar.

A ironia entoada em seu artigo intui que exigimos o silêncio absoluto como único sinônimo e prerrogativa de qualidade de vida. O senhor é nosso convidado em noites de baderna. Por gentileza informe o número do telefone de sua casa, o seu celular (e deixe-o ligado) para o convidarmos a assistir tudo de nossas janelas. Tente dormir. E desça com seu filho, seu cachorro (e recolha os dejetos, como poucos infelizmente fazem – sim, falta educação em todas as classes sociais, não há como negar) e veja os cacos de vidro, camisinhas, latinhas, maços de cigarro, embalagens de presunto, de biscoito etc. que ficam nos gramados e praças após as ditas noitadas. Sem falar que todos, ricos ou pobres, na ausência de banheiros, emporcalham tudo urinando em árvores, escadas, placas, parques, praças, muros.

Estamos cansados dos que passam a mão na cabeça de gente que faz besteira e desrespeita a comunidade. Não queremos esconder a miséria debaixo do tapete, "lá longe, na periferia", como diz em seu artigo. Queremos discutir os problemas sociais e comunitários, não velá-los em silêncio.

Exigimos respeito e paz em local residencial. Isso não é elitismo e nem reivindicação de gente quadrada e parada no tempo. É questão de limpeza, por que não de saúde pública, de honra, de moral, de cidadania e de civilidade, pois afinal de contas não vivemos na selva e pagamos muitos impostos. O que recebemos em troca?

2 comentários:

Unknown disse...

Jornalistas agem como se fossem autoridades que dizem que fazem justiça neste país. Acham-se intocáveis, acham que sabem tudo e são incapazes de mudar a realidade. São meros falastrões.

Marília Serra disse...

É, não só jornalistas mas diversas pessoas com vida pública ou algum papel na sociedade parecem não compreender sua responsabilidade na preservação de valores e sobretudo da ordem social.