sábado, 5 de julho de 2008

A roupa nova do presidente

O presidente da Câmara dos Deputados de um país remoto e desconhecido de nós apresenta o relatório de um perito para atestar que um documento usado para denunciá-lo como protagonista de um escândalo de propina é falso. No frigir dos ovos, descobre-se que falso é o tal laudo...

Convicto de que o povo o perdoará, este senhor parece não ter noção da gravidade de seu ato. Especulemos: durante quarenta anos de vida pública, dos quais se gaba sem pudor, provavelmente acostumou-se a esse tipo de manobra, passando a achar tudo muito natural.

O povo não perdoa. Ignora, finge que esquece. Aliás, o bombardeio de notícias repetitivas é proposital e leva-nos a tamanho estado de torpor que chega um momento em que ninguém mais quer ouvir falar do assunto. O brasileiro tem memória sim, senhor, mas tem saco pequeno e prefere deixar cair no pseudo esquecimento.

A impunidade, desculpe, quero dizer a imunidade parlamentar continua protegendo os congressistas envolvidos em negócios escusos. Talvez isso explique a perpetuação de empresários em cargos públicos... a carreira política acaba revelando-se uma interessante maneira de se fugir de processos e de enriquecer.

Quando acoados, na iminência de terem seus mandatos cassados e tornarem-se inelegíveis, eis que decidem renunciar, aguardando a melhor hora de voltarem ao poder. Que nada! Permanecem representados pelos suplentes, geralmente pessoas desconhecidas e sem expressão. Seriam laranjas? Não me espanta, mas assusta e entristece ver o profissionalismo, o grau de sofisticação da coisa.

O mais incrível é assistir pessoas legislando em causa própria, tendo o poder de votar leis que regem inclusive os próprios salários. Isso é surreal para mim. Não pode ser sério...

Quando nos candidatamos a um cargo público, nos são exigidos atestados de boa conduta, certidões de nada consta, testes de conhecimentos gerais e específicos. Ao assumir, devemos cumprir um número “X” de horas semanais, bater ponto, apresentar rendimento no desempenho da função. É certo que não temos a metade da responsabilidade dos homens públicos, eleitos pela população e com a obrigação de fazer jus à confiança neles depositada (se fazem, isso é outra história...). Entretanto, percebemos que as regras são frouxas e que o despreparo e a falta de objetividade dos legisladores faz com que o rendimento dos trabalhos fique a desejar.

Não dando conta do recado durante as sessões ordinárias, convocam sessões extraordinárias para ganhar extraordinários extras e engordar os extraordiários rendimentos... e assim vão-se arrastando as votações, à espera de quorum ou de negociatas e escambos entre os partidos. E engana-se quem acredita que é a relevância dos temas o que dita o andamento dos trabalhos... ligue a rádio Câmara e ouça o deputado fulustreco fazendo uma extensa e cheia de adjetivos homenagem ao Doutor Comendador José da Silva, cidadão benemérito do Município de Sabe-se lá Onde, pela sua importância à Nação (????). As sessões de coluna social deveriam ser feitas em caráter extraordinário e gratuito! Eu, você e cada contribuinte pagamos por isso...

O presidente que cobra propina, o político profissional com processos nas costas e que faz parte de máfias internas e externas, o orador de coluna social são exemplos de maus políticos que não sabem discernir entre público e privado, entre prioridades e bobagens, entre certo e errado. Evidentemente existem bons políticos que, esperamos, não desistam de continuar trabalhando para compensar o deserviço prestado por aqueles.

Sonhemos, pois, com uma legislação mais coerente, com leis eleitorais mais duras, com algum critério e com uma formação e uma preparação melhor de nossos políticos.

O presidente, assim como o Rei da fábula, anda nu. Pensa que está vestido, elegante por trás do terno e da gravata, comandando como bem quer os inertes súditos, bem pagos para calar e concordar com ele. O poder o faz cego, sem perceber que, aos olhos dos críticos, está nu, nuzinho. Só não vê quem não quer.

Brasília, 2006

Nenhum comentário: